Em janeiro, quando tem um rio.
Canivete Z
Besteiras em geral
domingo, setembro 01, 2024
Do segundo episódio de Shoushimin Series
Quando a temporada de verão começou, cuidei em assistir aos animes que me chamaram a atenção; dentre eles, Shoushimin Series se destacou por não ter medo de caminhar em vez de correr, uma raridade hoje em dia. Depois de algumas semanas, resolvi assistir a mais episódios e qual não foi minha surpresa quando vi que a nota dele diminuiu bastante desde o início da temporada em julho. Resolvi não pensar muito e tirar a prova.
Cheguei à conclusão de que esse anime tem a mesma energia do piloto de Lucky Star, infame pelo diálogo entre Konata, Kagami e Tsukasa sobre a forma correta de comer um pão em forma de concha recheado de chocolate; a conversa dura muito mais tempo que o necessário para convir humor e é um ponto divisivo entre quem gosta e quem atura a primeira metade do clássico CGDCT da KyoAni. Veja bem, não sou nenhum ser iluminado, gosto de um enredo eletrizante tanto quanto qualquer outro apreciador de histórias, mas esse tipo de narrativa desleixada é perfeita quando o resto da técnica está presente.
No segundo episódio de Shoushimin Series a trama principal é o mistério que ronda a tática utilizada por Kengo para preparar três canecas de chocolate quente sem sujar um quarto recipiente. De roer as unhas, eu sei. Ao fim, temos mais um momento slice of life com Jougorou e Yuki refazendo seus votos de "serem comuns". Instantaneamente entendi como a nota sofreu tanto no MAL, onde a magia do dia a dia vai para morrer.
Aliás, não estou fazendo cosplay, somente somos muito parecidos rsrs.
quarta-feira, julho 03, 2024
ogitra, Aletorordiplplaff
Palavras misteriosas, míticas até. Qual ser humano na Terra ouviria ogitra, Aletorordiplplaff e não ficaria confuso com sua ortografia e significado? Eu não sei, ninguém sabe. Apenas aquele que publicou a expressão na Lei Nº 283/1948, art. 1º, parágrafo único, talvez saiba.
Antigamente, entranhar expressões indecifráveis em documentos oficiais de entendimento limitado exceto para um círculo seleto era forma de sinalizar poder, balizar golpes de Estado em plena luz do dia e sair impune graças à preparação cuidadosa em diversas reuniões prévias e secretas sob o luar, deixando como testemunhas apenas paredes frias despidas de cognição.
Hoje, foi provavelmente ato de algum estagiário que, privado de sono, teclou as ideias que produzira durante um brainstorm para sua próxima campanha de D&D na minuta de algo a ser publicado no dia seguinte pela União. Dito isso, nada impede que essas palavras tão ricas de mana, imbuídas que um quê fantástico, não possam superar o texto estéril lei que as circundam para se tornarem mais que uma curiosidade virtual mal explorada. Minha parte já está feita.
terça-feira, junho 11, 2024
O Homem de Hamjadahl - Capítulo II
Certo dia, o Homem de Hamjadahl precisou lidar com a burocracia do Estado. Sua vila era pequena e não havia forma de resolver o assunto sem se aventurar até a capital. Sabendo disso, ele juntou todo o material e conhecimento disponível para retornar com sucesso ao lar, porque poucas coisas são mais vergonhosas do que tirar um mês para resolver um problema e não conseguir se desemaranhar das grudentas armadilhas que o serviço público atira na direção geral do homem médio.
Ele perguntou aos anciãos de Hamjadahl como deveria prosseguir em cenários diversos e frustrantes, pois o Homem de Hamjadahl reconhecia que, tendo vivido mais, os desprovidos de cabelo são lotados de sabedoria, se não dos livros, do mundo.
Antes de partir também participou de rituais de sua religião e rezou, porque o Homem de Hamjadahl sabe que não é sem paciência e fé que se obtêm êxito ante a máquina estatal, perpetuamente faminta pelo sofrimento humano. Então, ele partiu.
Uma vez que chegou lá, onde quer que “lá” fosse, sofreu, desesperou-se, enfureceu-se e até chorou, porque quando toda a poeira baixa e toda a fumaça sobe, Homem de Hamjadahl ainda é apenas um homem.
E esse homem esperou vinte anos, talvez esperasse por mais vinte se não houvesse o problema que engendrou o reclame se resolvido sozinho.
O Homem de Hamjadahl não pensou mal do Estado. Muito pelo contrário, sentiu ter recebido uma grande lição: na inação também há eficiência e não seria essa a maior benesse da paciência.
Irônico:
a mesma paciência necessária para lidar com a burocracia é aquela que dá às
aparentemente desnecessárias idas e vindas da atuação pública um foco no que
não pode ser resolvido de outra maneira. Quanta sabedoria, talvez seja por isso
que o Estado possui menos cabelos que qualquer um dos anciãos
de Hamjadahl. Nenhum, na verdade. Realmente sábio.
sexta-feira, maio 17, 2024
O Homem de Hamjadahl - Capítulo 1
O maior inimigo daquele que conquista grandes feitos é o medo de falhar e sua falha vir a se tornar evidência de sua mediocridade. Ou seja: ser grande requer desapego do destino e amor à jornada. No caso do Homem de Hamjadahl, esta dinâmica se altera levemente, pois tendo conhecido nada além do néctar da vitória, a possibilidade de derrota sequer passa por sua mente.
Na realidade, derrota não existe em seu vocabulário, pois foi substituída integralmente pelo aprendizado. Clássica é a fábula do primeiro tijolo posto pelo Hamjadahlense original na colossal estrutura dedicada à vontade humana, erguida no centro de Hamjadahl. Num dia qualquer, o Homem de Hamjadahl ponderava as artes e, inspirado, resolveu criar algo. Ele tinha interesse pela pintura e pela música, porém elegeu a arquitetura como base para sua obra.
Ele não sabia por onde começar, sabia apenas que tinha um desejo queimando em si. Outros passavam ao seu redor e, como parecia ponderar algo importante, perguntavam-lhe o que queria. Ele explicava tudo e os outros seguiam a berrar todos os obstáculos.
O Homem de Hamjadahl não era estranho às dificuldades, apenas as aceitava como parte natural do processo. A certo ponto, contudo, tantos haviam se juntado para procrastinar suas ambições que ele se arrependeu de tê-las exposto. Não viu maneira de começar naquele mesmo sol.
No dia seguinte, longe de outros, ele focou em duas coisas: calar e fazer. Calou a boca e calou a mente, assim calando os outros; fez o que sabia fazer, empilhou um bloco de concreto em cima do outro.
No dia seguinte, fez o mesmo.
No dia seguinte, fez o mesmo.
No dia seguinte, fez o mesmo.
Tempo suficiente passou para que, de repente, arcos e janelas surgissem em inabaláveis paredes de concreto. Todos os que passavam pelo centro de Hamjadahl se perguntavam em que momento aquilo, tão pouco havia, se tornado tanto. Ninguém além do Homem de Hamjadahl sabia a resposta. Quando lhe perguntavam, ele falava do que era do mundo, mas calava do que era seu.
Quando terminou sua obra, o Homem de Hamjadahl não sabia ao certo onde estava o primeiro bloco que pusera, mas tinha certeza de que fora o único a lhe desafiar.
sexta-feira, maio 03, 2024
O Homem de Hamjadahl - Prólogo
Quem foi o Homem de Hamjadahl? Essa é uma pergunta clássica feita por jovens e velhos por todos os cantos do planeta e o que essa questão tem de popularidade, tem de complexidade. Para começo de conversa, o Homem de Hamjadahl não é um indivíduo, mas um conceito que engloba todos aqueles que possuem a força de Hamjadahl dentro de si. Para além de comandar uma força de vontade irresistível às intempéries do mundo e aos obstáculos variados que a vida os impõe, os “Homem de Hamjadahl” superam-se a cada segundo de suas vidas; estão sempre se tornando mais fortes, mais intensos e mais sofisticados.
Outro véu que encobre a lenda é sua origem. Ninguém sabe ao certo de onde veio o Homem de Hamjadahl. Pesquisadores pesquisaram e historiadores historiaram, mas indícios de uma infante Hamjadahl nunca foram descobertos. Os únicos artigos acadêmicos de robustez publicados sobre o tema limitaram-se a avaliar os impactos da ideia do Homem de Hamjadahl no homem comum. Parece difícil de acreditar, mas os estudos demonstraram que aqueles crentes na existência do Homem de Hamjadahl experimentam uma diminuição de pelo menos sete por cento nas chances de ter câncer, ansiedade, distúrbios do sono e depressão. Estudos comparativos posteriores apontaram semelhança nos resultados para aqueles que creem fazer parte de um propósito universal.
Muitos já reclamaram o título de Homem de Hamjadahl original. Uma empreitada fraudulenta desde o início dada a modéstia inerente aos praticantes do Caminho de Hamjadahl. Não obstante, alguns foram bem-sucedidos em armar cultos de adoração, templos de pedra e lojas de presentes sob a guisa de genuínas fontes de renda para a perpetuação da lenda. É uma ideia patética, pois os valores hercúleos do Caminho trazem ao conceito de pecúnia uma forma tão pouco hedonista que, pelo contrário, é prejudicial à psique do Homem de Hamjadahl possuir mais que o suficiente para ajudar o próximo. Vertentes diferentes possuem quantificações diferentes para esse mínimo necessário: algumas são mais espirituais e medem pelo valor que um punhado tirado de uma caixa de doação cheia de moedas sortidas faria; outras, mais concretas, trabalham numa fração áurea do salário mínimo. Seja como for, é certo que orçamentar a “perpetuação da lenda” é uma atitude muito distante da essência do Homem de Hamjadahl.
Mesmo com todo o mistério, mesmo com toda a reputação, não há evidência alguma do ideal Hamjadahl. Da mesma forma que podemos apenas imaginar o que acontece depois da morte, os reais contornos do Homem de Hamjadahl pertencem ao reino da imaginação. E qual imaginação poderia conceber uma personificação da lenda? Uma fidedigna recriação do que ascendeu para se tornar o mais famoso experimento consciente desde a palavra?
quinta-feira, abril 04, 2024
Todos amam Guilty Gear -STRIVE-
Pouco antes da Covid-chan nos agraciar com uma reprise do século XIII, edição peste negra, ArcSystemWorks anunciou no palco da EVO 2019 o novo jogo da fanfic mais intensa já escrita por um japonês fã de rock: Guilty Gear -STRIVE-.
Muitas perguntas vem à mente depois de um teaser desses:
Quem
é esse galego elétrico? minha amiga perguntou se ele quer sair pra
jantar; como assim, ele é gay? Quer ficar comigo, então?
Quem é esse homem de meia-idade tentando reviver as calças de boca de sino e por que a luva dele tem cintos e os cintos dele tem outros cintos?
Por que eles estão lutando nas periferias de Paudalho ao som de um rock pesado, eu ouvi "THIS IS BULLSHIT BLAZING" na música mesmo?
Quem é esse samurai negro cyberpunk misterioso? Ah, ele é um vampiro também...?
Quando vou poder ler essa fanfic? Digo... jogar esse jogo?
Passaram-se alguns anos. Um, para ser mais específico, e resolvi comprar o jogo depois de algum tempo ponderando se deveria investir em um jogo de luta. A reputação que esse gênero tem é infame: você vai para uma festa, uma pequena reunião, um clube do livro e, depois das atividades, senta na sala de estar para relaxar um pouco e uma criança surge deus-sabe-de-onde perguntando se você quer jogar [um jogo de luta]. Você aceita, você é um gamer, você sabe que vai amassar esse protótipo de ser humano, mas na hora em que o pivete te acerta com um combo de 28 hits você diz "não entendo jogos de luta".
Faz sentido. Da mesma forma que um gato não entende o motivo de alguns bípedes vocalizarem "pspsps~" do nada, o gamer médio não conhece as intrincadas porém simples regras dos fighting games (inglês para "vou embora, aliás, vi teu menino vendendo cocaína na porta da escola").
Porém, apesar de todos os estigmas, eu estava dedicado a aprender, porque uma personagem me chamou a atenção e, conforme eu iria descobrir no futuro, isso é tudo o que importa.
Ok, temos a personagem. Mas e a substância? O que há nesses vários zeros e uns que toca a alma? Ora, música, é claro. Você pode pensar que está comprando um jogo de luta, mas é muito fácil argumentar que o verdadeiro amor dos desenvolvedores é o Rock n' Roll. Cada personagem tem um tema e cada tema tem um gênero e todos eles têm um riff de guitarra envenenado por trás de um inglês tão quebrado pelo sotaque japonês que você chega a se perguntar se é proposital.
Além disso, Guilty Gear satisfaz aquele desejo secreto de participar de uma luta de anime para a qual o protagonista treinou durante três ou quatro episódios. Acontece que às vezes você é o vilão despreparado, mas está tudo bem, porque quanto você descobre que o oponente não sabe lidar com um ataque específico é como a situação de encontrar uma nota de cem reais na rua: inesperada, fácil, engraçada e você se imagina invencível. "Pereça, tolo".
Mas e as questões reais e importantes? E os comentários sobre a sociedade? Temos.
Aqui está.
O que você sente ao ver essa personagem? Nada em particular? Vou te dizer o que eu sinto: meu sistema nervoso se preparando para um debate moderno sobre disforia, transfobia e quarenta horas cantando o hino transgênero de todos os gamers.
Isso, mesmo, a Bridget é GAY! Quero, dizer, TRANS! Talvez ela seja gay também, tenho aprendido muito. Sabiam que mulheres transgênero tem ataques enormes, irritantes e mobilidade acima da média no neutro? Sim, é verdade.
Há muitos motivos para amar Guilty Gear -STRIVE-, mas acredito que hajam mais motivos ainda para gostar da franquia como um todo. As histórias são ridículas de criativas, a música te obriga a respeitar tudo que culminou nisso e a comunidade é definitivamente uma comunidade. Não só GG, mas jogos de luta como um todo são uma jornada que começa e termina no coração do jogador.
É simples, é prático, só requer duas pessoas dispostas a engajar numa batalha intelectual, cria uma comunidade animada para compartilhar estratégias, histórias e momentos únicos. Tem o formato perfeito para campeonatos, mas acomoda jogadores casuais com toda a cultura que vem junto. P.S.: Não é xadrez.
Agora vão lá e façam um crime, quero dizer, joguem Guilty Gear.